O juiz afirmou na sentença que, não tendo as matérias veiculadas pelo requerido extrapolado o limite legal e constitucional – em respeito à liberdade de imprensa e de livre expressão da opinião -, ainda que de forma crítica, não causou ao requerido dano moral a ser reparado, o que leva à improcedência da ação. Por outro lado, não há como negar os danos morais sofridos pelo requerido.
Hayrton Rodrigues do Prado Filho, jornalista profissional registrado no Ministério do Trabalho e Previdência Social sob o nº 12.113 e no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo sob o nº 6.008
O presidente do Conselho Deliberativo da ABNT, Pedro Buzatto Costa, entrou com uma ação de indenização por danos materiais e morais contra a minha pessoa por enviar e-mails, através de marketing digital que atinge mais de 200.000 pessoas, com conteúdo difamatório, atacando a autora e seu presidente. Meus advogados, Pedro Rodrigues do Prado Filho e Thais Campos Rodrigues do Prado, reconvencionaram e o juiz Luiz Raphael Nardy Lencioni Valdez condenou a ABNT ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00, a título de indenização por danos morais ao requerido, valor que será corrigido pela Tabela Prática do TJSP e acrescido de juros legais a partir desta data, e, sucumbente, condenou a ABNT ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios de meus advogados.
Tudo começo quando eu quis fazer um texto sobre a normalização no Brasil e contatei a diretoria para marcar uma entrevista. Pediram a pauta e enviei as perguntas: Como pode ser feita uma análise detalhada dos números da entidade, o balanço, a demonstração do resultado do exercício (DRE)?; Quais são os custos gastos nos processos de feitura das normas técnicas?; A ABNT paga algum valor aos membros das comissões de estudo que efetivamente elaboram as normas técnicas?; Quais são os poderes e salários dos diretores estatutários da ABNT? Há prática de nepotismo? Atualmente eles têm poder de decisão? Há pagamentos de despesas pessoais dos diretores pela ABNT? Se sim, como são feitas essas prestações de contas?; Quais são os investimentos feitos nos Comitês Técnicos em 2014, 2015 e 2016? Quais são os custos com salários dos funcionários?; A ABNT cobra royalties sobre direito autoral das normas técnicas? A ABNT obtém lucros nas vendas das normas técnicas?; A ABNT ainda é uma instituição de utilidade pública? Se sim, por que não presta conta do seu faturamento e de suas despesas à sociedade, descumprindo a lei? Até hoje estou esperando a entrevista e as respostas.
Então, comecei a escrever uma série textos e a enviar para os leitores via e-mail. Em vez de prestar esclarecimentos, me processaram e, muito embora os textos contenham críticas à atuação da diretoria da ABNT, estão exclusivamente ligados às atividades públicas por eles exercidas, e não à pessoa do requerente ou da instituição ABNT, inexistindo qualquer ofensa de cunho pessoal.
O juiz concorda com isso, já que se limita a controvérsia acerca de eventual prática de ilícito por parte do jornalista, consistente no envio de e-mails de marketing digital e publicações em blog de sua autoria com informações supostamente prejudiciais à imagem e honra dos requerentes. Os principais trechos questionados foram indicados com trechos ditos ofensivos em negrito.
A íntegra das correspondências foi juntada e cumpre observar que a garantia de liberdade de expressão e de imprensa é constitucional e inquestionável, abrangendo, inclusive, o direito de crítica. Por outro lado, no mesmo sentido o são a garantia ao direito à honra e à imagem, bem como à reparação em caso de ofensa.
E o juiz não vislumbrou a ocorrência a prática de ato ilícito do jornalista. Muito embora os trechos destacados na inicial e o conjunto das mensagens incluam críticas contundentes à ABNT e ao presidente da ABNT, as peças veiculadas não tiveram o condão de macular a honra e imagem dos autores, mas sim de demonstrar inconformismo com os serviços prestados pela associação, com a forma de administração da atual diretoria e com a forma como a atividade de normatização técnica é realizada no Brasil.
Como a ABNT é uma associação sem fins lucrativos de utilidade pública e Pedro Buzatto Costa, por sua vez, é seu diretor, fica tanto ele como a associação sujeitos a comentários, críticas e, principalmente, cobranças por parte da sociedade em geral. A natureza da atividade da ABNT também justifica o interesse jornalístico, ainda que mediante envio de mailing aos usuários interessados neste tipo de conteúdo.
O requerido é de fato jornalista, não se vale do anonimato para as críticas realizadas e não esconde ser membro de outra associação ligada à normalização técnica (ABQ). A linguagem utilizada nos artigos e correspondências, de outro lado, também não apresentam ofensas diretas à honra objetiva ou subjetiva dos citados.
Criticar a gestão da entidade, a forma de eleição ou de remuneração dos diretores e a centralização da gestão das normas técnicas pela ABNT – ainda que de forma reiterada e ao longo de vários anos – não significa ofender a honra da associação autora ou de seus diretores, mas sim exercer a liberdade de expressão e imprensa em relação à associação de utilidade pública.
Assim, não tendo as matérias veiculadas pelo requerido extrapolado o limite legal e constitucional – em respeito à liberdade de imprensa e de livre expressão da opinião -, ainda que de forma crítica, não causou o requerido dano moral a ser reparado, o que leva à improcedência da ação. Por outro lado, não há como negar os danos morais sofridos pelo requerido.
A autora ABNT ultrapassou o limite de informação dos associados e do público em geral ao citar o nome do requerido no comunicado, publicado no site da ABNT na internet, com conteúdo inegavelmente ofensivo, acusando-o de ser um blogueiro da espécie que se vende a interesses escusos dos que lhe pagam para difamar, caluniar e criar factoides com evidentes interesses financeiros, por si só já caracteriza o ato ilícito.
Não há como negar que a ABNT ofendeu a honra subjetiva e objetiva do requerido ao chamá-lo publicamente de blogueiro da espécie que se vende a interesses escusos dos que lhe pagam para difamar, caluniar e criar factoides com evidentes interesses financeiros. A publicação ultrapassa a desqualificação das críticas feitas pelo requerido – o que seria de todo admissível – e atinge a honra pessoal do requerido e sua reputação como jornalista, sugerindo motivações escusas e jornalismo de encomenda, sem base em fato que corrobore tal afirmativa.
De rigor, portanto, a condenação da associação-reconvinda ao pagamento de indenização ao réu-reconvinte pelos danos morais sofridos. “…Para condenar a associação/reconvinda ABNT ao pagamento da quantia de R$ 5.000,00, a título de indenização por danos morais ao requerido, valor que será corrigido pela Tabela Prática do TJSP e acrescido de juros legais a partir desta data. Sucumbente, condeno os autores ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios do patrono da requerida, que fixo, por apreciação equitativa em R$ 1.000,00 (mil reais), atualizáveis a partir desta data”, conclui a sentença do juiz.
Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital adnormas e do blog https://qualidadeonline.wordpress.com/ – hayrton@hayrtonprado.jor.br
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