Os recordes climáticos de 2017 e o legado da atual geração

Luiz Marques

Em janeiro de cada ano, o MET Office, a agência britânica de pesquisas e previsões sobre meteorologia e mudanças climáticas, atualiza seu decadal forecast, isto é, sua previsão climática para os próximos dez anos. O título do último comunicado, “Previsão para os próximos cinco anos indica mais aquecimento” (1), nada tem de novo. Dada a dinâmica inercial do aquecimento global, sabemos que “mais aquecimento está em curso e ocorrerá mesmo sem mais gases de efeito estufa”, para dizê-lo nos termos de James Hansen (2).

O que é novo, ainda que não surpreendente, na declaração do MET Office é a possibilidade de estourarmos já nos próximos cinco anos a meta de aquecimento que o Acordo de Paris, em vigor desde novembro de 2016, almejava não ultrapassar neste século: “Há uma pequena chance (cerca de 10%) de que ao menos um ano no período [2018-2022] possa exceder 1,5º C  acima dos níveis pré-industrais (1850-1900). É a primeira vez que tão altos valores vêm à baila nessas previsões”.

Para o novo relatório do IPCC, com publicação prevista para outubro de 2018, mas divulgado em seu estado de rascunho pela Agência Reuters em 18 de janeiro passado,  “há um alto risco” desse limite de 1,5º C ser ultrapassado até 2040. O contraste de datas entre o MET e o IPCC é apenas aparente porque, como o MET esclarece, há um intervalo de alguns anos entre o aquecimento ultrapassar momentaneamente 1,5º C (2018-2022) e instalar-se acima desse patamar, o que deve ocorrer na segunda metade do próximo decênio. Da mesma maneira, antes de atingir em 2015 o nível agora irreversivelmente ultrapassado de 1º C, chegamos a “queimá-lo” pela primeira vez em 2010, como mostra a Figura 1.

Figura 1 – Evolução das anomalias de temperatura (ºC) no primeiro semestre de 2016 em relação ao período 1880-1899.
Fonte: “Record-Breaking Climate Trends Briefing”, 19/VII/2016. Goddard Institute for Spatial Studies (GISS), Nasa <https://svs.gsfc.nasa.gov/12305>.

Além disso, a preposição até na locução “até 2040” (by 2040) do IPCC indica um cauteloso termo limite, um terminus ante quem, e pode significar uma data qualquer nos próximos dois decênios. Na realidade, ela indica uma data provável já no próximo decênio, pois, segundo a Reuters, o texto ainda em revisão do IPCC afirma (3): “Estima-se que a humanidade poderia ainda emitir tão somente 580 bilhões de toneladas [Gigatoneladas ou Gt] de gases de efeito estufa [GEE] para ter uma chance maior que 50% de limitar o aquecimento a 1,5º C – o que equivale a um prazo de 12 a 16 anos mantido o nível atual das emissões desses gases”.

Se tomarmos por base o ano de 2016, quando, segundo o Emission Database for Global Atmospheric Research (EDGAR), as emissões globais de GEE atingiram 53,4 GtCO2-eq, ultrapassaremos esse limite de 580 Gt nos próximos 10 a 11 anos. Essas estimativas do MET e do IPCC são corroboradas por uma terceira e por uma quarta projeção.

Em 2016, o Climate Central, uma ONG nascida de um encontro de climatologistas na Yale University, afirmava que, “mantido o nível atual de emissões (RCP8,5), podemos cruzar o limiar de 1,5º C em 10 a 15 anos, isto é, em algum momento entre 2025 e 2030 (4). A quarta projeção, enfim, publicada em setembro de 2017 na Geophysical Research Letters, propõe que, se a Oscilação Interdecenal do Pacífico (IPO) (5) tornar-se positiva ou permanecer negativa, atingiremos +1,5º C em 2026 ou em 2031, conforme mostra a Figura 2.

Figura 2 – Projeções de ultrapassagem de +1,5º C nas temperaturas médias superficiais terrestres e marítimas combinadas acima da média das temperaturas pré-industriais (1850-1900), segundo a fase positiva (2026) ou negativa (2031) da Oscilação Interdecenal do Pacífico (IPO).
Fonte: Alvin Stone, “Paris 1.5º C target may be smashed by 2026” GeoSpace, 9/V/2017. Baseado em Benjamin J. Henley, Andrew D. King, “Trajectories toward the 1.5º C Paris target: Modulation by the Interdecadal Pacific Oscillation”. Geophys. Research Letters 8/V/2017.

2017 no contexto da aceleração das mudanças climáticas

Lembremos que os 20 anos mais quentes dos registros históricos, iniciados em 1880, ocorreram justamente nos 20 anos decorridos entre 1998 e 2017. E os 4 anos mais quentes dessa série de 137 anos incidem no quatriênio 2014-2017. Como se insere nessa aceleração o ano de 2017? Como seria de se esperar num quadro de aceleração das mudanças climáticas, 2017 quebrou vários recordes.

Mas, talvez nenhum ano dos registros históricos tenha se mostrado mais rico que o ano passado em número e variedade de sintomas de aceleração de nossa trajetória rumo a uma degradação socioambiental catastrófica. Em 18 de janeiro de 2018, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) declarou que “2015, 2016 e 2017 foram confirmados como os três anos mais quentes dos registros globais, sendo que 2017 foi o ano mais quente sem um El Niño”. Isso se traduziu em ondas de calor sem precedentes. Queensland e New South Wales, na Austrália, bateram o recorde de calor, com temperaturas próximas de 50º C.

Na Europa, “Lúcifer”, como foi chamada a onda de calor europeu de 2017, bateu, na zona mediterrânea, o recorde de intensidade da onda de calor europeu de 2003 (6). Em junho de 2017, Las Vegas bateu seu recorde de temperatura, atingindo 47º C. Em julho, na cidade chinesa de Xi’an, o termômetro atingiu por oito dias temperaturas acima de 40º C. Em Xangai, ele subiu a 40,9º C, em Trupan, a 49º C, em Shaanxi, a 44,7º C,  temperaturas todas que romperam novos recordes históricos no país. Em Jales, no estado de São Paulo, em 11 de setembro de 2017, a temperatura ainda invernal chegou a 37,2º C. Na capital, ela chegou nesse mesmo dia a 31,9º C, recorde batido apenas por 2016, quando chegou a 33º C< (7).

O ano de 2017 quebrou recordes também no que se refere a eventos meteorológicos extremos e inundações. Houve no ano passado 17 tempestades nomeadas, 10 furacões e seis furacões de categoria 3 ou mais alta, todos esses números acima da média histórica. Em agosto, o furacão Harvey que se abateu sobre Houston e região, no Texas (EUA), trouxe a maior quantidade de chuvas dos registros históricos (1.539 mm) ao longo de quatro dias nesse país, causando pela terceira vez, após 2001 e 2015, uma inundação supostamente esperada “a cada 500 anos”. Em setembro, o Irma devastou o Caribe, com ventos de até 297 km/h que se mantiveram por 37 horas, a mais longa duração registrada no mundo. Apenas nos EUA, enquanto tais eventos extremos, incêndios e inundações trouxeram prejuízos de US$ 144 bilhões em 2005, os piores até então, 2017 trouxe prejuízos de US$ 306 bilhões (8).

Níveis igualmente sem precedentes de incêndios florestais ocorreram nos EUA, Europa (Portugal, Espanha, França, Itália, Romênia), Austrália e na Ásia do Sudeste. O Brasil teve em 2017 um número recorde de incêndios florestais na série histórica, iniciada em 1999. “A análise dos locais onde os incêndios ocorreram mostra que, neste ano, o fogo aumentou em áreas de floresta natural, avançando em pontos onde antes não havia registro de chamas, e atingindo unidades de conservação e terras indígenas. Entre todos os biomas, o Cerrado foi o que teve mais unidades de conservação atingidas, contabilizando 75% de toda a destruição nas áreas protegidas”.

Até 18 de dezembro, haviam sido registrados “cerca de 272 mil focos de fogo, 46% a mais do que em 2016 e acima do recorde anterior, de 2004, quando foram detectados 270 mil pontos de calor. Incêndios criminosos destruíram 986 mil hectares de unidades de conservação (…). O número ficou próximo do registrado no ano passado, quando foram destruídos cerca de 1 milhão de hectares. Nas terras indígenas, os focos aumentaram 70% e ultrapassaram 7 mil” (9).

Quanto ao branqueamento de corais, o Coral Reef Watch da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) afirmou em seu boletim de janeiro de 2018 que o Terceiro Evento Global de Branqueamento de Corais, terminado em junho de 2017, é o primeiro a perdurar três anos consecutivos (10). Esse evento “permanece o mais longo, o mais amplo e possivelmente o mais danoso evento de branqueamento de corais jamais registrado. Ele afetou mais corais que qualquer outro evento de branqueamento anterior” (11).

Salto sem precedentes no aquecimento oceânico

A mais inequívoca assinatura do aquecimento médio global é a temperatura dos oceanos, pois sua faixa superficial absorve mais de 90% do calor excedente produzido pelas crescentes concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa.  Aqui, a aceleração é igualmente evidente. Sabemos que “metade do aumento do calor absorvido no oceano globalmente desde 1865 foi acumulado desde 1997” (12). Sabemos também que o aumento do calor contido no oceano entre 1992 e 2015 quase dobrou em relação ao aumento ocorrido nas três décadas anteriores (1960 – 1990) (13), como mostra a Figura 3.

Figura 3 – Calor contido nos oceanos (Ocean heat content, OHC) entre 1950 e 2015 (em 10²² Joules) (14).
Fonte: Paul Horn, Inside Climate News, baseado em Lijing Cheng et al., “Improved estimates of ocean heat content from 1960 to 2015”. Science Advances, 10/III/2017

Mais que aceleração, o ano de 2017 foi, em toda a série histórica, o ano do grande salto no aquecimento nos oceanos até a profundidade de dois mil metros (15). A Figura 4 mostra as anomalias crescentes na energia térmica em Joules do oceano em relação ao período de referência, 1981-2010.

Figura 4 – Anomalias nas temperaturas oceânicas (0 a 2000 m) em relação ao período de base 1981-2010 (em  10²² joules)
Fonte: Lijing Cheng & Jiang Zhu, “2017 was the Warmest Year on Record for the Global Ocean”. Advances in Atmospheric Sciences, 34, março, 2018, pp, 261-263, baseados em dados do Institute of Atmospheric Physics (IAP) da Academia de Ciências da China.

O que se vê aqui é outra demonstração da aceleração em curso do aquecimento global, e talvez a mais irrefutável porque as mudanças climáticas nos oceanos são livres de “ruídos” meteorológicos de curto prazo, típicos da atmosfera. Entre 1958 e 1995, todos os anos mostram um oceano mais frio que a temperatura oceânica do período 1981-2010. Mas a partir de 1998, todos os anos foram mais quentes em relação a esse período de referência. Segundo o Instituto de Física Atmosférica (IAP) da China, os últimos cinco anos foram os mais quentes das medições disponíveis, com 2017 ocupando o topo do pódio. Em 2017, afirmam Lijing Cheng e Jiang Zhu:

“A faixa superior de 2 mil metros dos oceanos foi 1,51 x 1022 Joules mais quente do que 2015, o segundo ano mais quente, e 19,19 x 1022Joules acima do período de referência climatológica, 1981 – 2010. Para se ter uma comparação, a geração total de energia elétrica na China em 2016 equivale a 0,00216 x 1022 Joules, ou seja, ela foi 699 vezes menor que o aumento líquido de calor no oceano em 2017”.

Eis a progressão do aquecimento oceânico nos últimos cinco anos, sempre em relação ao período de referência (1981-2010):

  1. 2017: 19,19 × 1022 J
  2. 2015: 17,68 × 1022 J
  3. 2016: 17,18 × 1022 J
  4. 2014: 16,74 × 1022 J
  5. 2013: 16,08 × 1022 J

Observe-se que 2017 registra um salto sem precedentes em relação a 2016 e em relação também a qualquer outro intervalo anual no período quinquenal em exame. Trata-se de um salto de 2,01 x 1022 J entre 2016 e 2017, quando o maior intervalo anterior (de 2015 em relação a 2014) foi de 0,94 x 1022. Como advertem ainda Cheng e Zhu, “o aumento na temperatura do oceano em 2017 resultou em uma elevação média de 1,7 milímetro do nível do oceano”, sendo que outro tanto se deveu ao degelo, numa elevação média total de 3,4 mm em 2017 (q6).

A aceleração das mudanças climáticas e o descumprimento do Acordo de Paris

As mensurações e as projeções acima citadas, em meio a uma profusão de dados convergentes, demonstram à saciedade que as mudanças climáticas estão se acelerando. Salvo para os que acreditam que a Terra é plana ou que o capitalismo pode-se tornar sustentável, essa evidência não está mais sujeita a discussão. Sua mais elementar demonstração encontra-se nas taxas de aumento médio anual das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa (GEE) desde 1991.

Concentrações atmosféricas de CO2-eq (GEE) em partes por milhão (ppm) e aumento médio anual em cada período (dois decênios e o quinquênio 2011-2016)

Fonte: NOAA Annual Greenhouse Gas Index (AGGI)

A aceleração das taxas de aumento das concentrações atmosféricas de GEE nos últimos 25 anos implica correlativa aceleração do aquecimento global (tal como mostra a tabela). E dado que o aquecimento atmosférico e marítimo afeta negativamente os ecossistemas, a biodiversidade, a economia, a segurança energética, hídrica e alimentar das sociedades, além de intensificar os eventos meteorológicos extremos, a ação de agentes patogênicos, a letalidade por ondas de calor extremo e a elevação do nível do mar, pode-se concluir com razoável segurança que, em termos socioambientais, o próximo decênio será pior que este que se aproxima de seu fim.

Quão capazes seremos de atenuar essa piora, eis algo que (ainda) depende da lucidez e da coragem política das sociedades de abandonar os combustíveis fósseis antes que eles nos destruam. Por enquanto, as sociedades deixam-se iludir por seus governos, que se comprometem a diminuir as emissões a cada COP, enquanto mantêm o pé bem fundo no acelerador dos combustíveis fósseis. O relatório de novembro de 2017 da PBL Netherlands Environmental Assessment Agency adverte que, dois anos após a assinatura do Acordo de Paris e um ano após sua entrada em vigor (4/11/2016), dois terços dos países mais emissores de GEE nem se colocaram em marcha na direção de atingir suas metas climáticas compromissadas em Paris (17).

O ano de 2017 foi também o ano em que Donald Trump decidiu abandonar explicitamente o Acordo, enquanto a Alemanha desistiu de suas metas de redução de emissões de GEE para 2020. Como declarou ao The Financial Times Tobias Austrup, do Greenpeace da Alemanha, “isso prejudica a credibilidade da Alemanha, mas prejudica também o inteiro processo internacional sobre o clima. Por que outros países deveriam manter suas metas climáticas se nós não as mantemos?” (18).

De fato, 25 dos 28 países da União Europeia não estão se movendo na direção de cumprir suas próprias metas. Para Femke de Jong, diretor do Carbon Market Watch, “os governantes da União Europeia, que se retratam como líderes climáticos, deveriam colocar seu dinheiro onde está sua boca, tratando de fechar as brechas na legislação climática europeia e pressionando por mais ambição” (19). O Brasil, sétimo maior emissor de GEE do mundo, realizou a proeza do desacoplamento negativo: o PIB diminuiu enquanto as emissões antropogênicas brasileiras de GEE aumentaram 8,9% em 2016 em relação a 2015, “com crescimento expressivo da contribuição do desmatamento na poluição climática gerada pelo país” (20).

Um esforço de guerra sem precedentes

Segundo o que reporta a Reuters do já citado relatório do IPCC, ainda inédito: “Não há precedentes históricos na escala de mudanças requeridas no uso de energia para transitar dos combustíveis fósseis a energias renováveis, e para as reformas na agropecuária e na indústria, de modo a que [o aquecimento médio global] permaneça abaixo do limite de 1,5º C.  (…)”

Para desviarmos de nosso curso, seria hoje necessário, portanto, um esforço de guerra maior que qualquer outro já empreendido na história do capitalismo. O que está ocorrendo, contudo, é um esforço de guerra das petroleiras e da rede corporativa dela dependente no sentido de desinformar e manter paralisada nossa civilização termo-fóssil. Eis o último resultado desse esforço: em 2017, as emissões antropogênicas globais de CO2 aumentaram ainda cerca de 2% (entre 0,8% e 3%) e 3,5% na China, com novo incremento do consumo de carvão nesse país (21).

A que distância estamos de uma aceleração irreversível ou mesmo de uma transição abrupta das mudanças climáticas, capaz de condenar a civilização contemporânea a um colapso socioambiental? Não é ainda dado sabê-lo. Mas sabemos que em 2017 diminuíram ainda mais as chances já diminutas de evitar o perigo que motivou o Acordo de Paris, vale dizer, a catástrofe climática de um aquecimento médio global superior a 2º C acima do período pré-industrial, nível que pode desencadear e tornar inelutáveis aquecimentos sucessivos.

Segundo Michael Mann, Robert Jackson e um número crescente de cientistas, essa catástrofe pode-se tornar realidade dentro de dois decênios (22). Por aterrorizante e iminente que seja, tal perspectiva não tem suscitado as “mudanças requeridas no uso de energia” exortadas pelo IPCC. Ao contrário, segundo a Energy Information Administration (EIA), em 2017 o consumo mundial de petróleo ultrapassou 98,39 milhões de barris de petróleo por dia (MMbb/d), contra 96,95 MMbb/d em 2016.
Segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), “a demanda por petróleo aumentará nos próximos cinco anos, superando em 2019 o marco simbólico dos 100 MMbb/d e atingindo 104 MMbb/d até 2022” (23) Nos cálculos da EIA, o marco dos 100 milhões de barris por dia será superado já em 2018 (24).
Os jovens, que sofrerão em breve as consequências brutais desse consumo, terão razão de desprezar a atual geração de adultos, a primeira que pode saber cientificamente o que o futuro nos reserva e a última que ainda pode fazer algo para evitá-lo, mas está preferindo deixar um legado de indiferença ou de retóricas tranquilizantes de “desenvolvimento sustentável”. 2017 é o retrato em miniatura desse legado.

Referências

[1] Cf. MET Office, “Five-year forecast indicates further warming”, 31/I/2018
https://www.metoffice.gov.uk/news/releases/2018/decadal-forecast-2018.

[2] Cf. James Hansen, “Why I must speak out about climate change”. Ted Talk, 2012 https://www.ted.com/talks/james_hansen_why_i_must_speak_out_about_climate_change#t-384684.

[3] Cf. Alister Doyle, “Warming set to breach Paris accord’s toughest limit by mid century: draft”. Reuters, 18/I/2018.

[4] Cf. Climate Central Research Report, “Flirting with the 1.5°C Threshold”. 20/IV/2016
http://www.climatecentral.org/news/world-flirts-with-1.5C-threshold-20260.

[5] A Oscilação Interdecenal do Pacífico (IPO) é uma oscilação de longo prazo (15 a 30 anos) nas temperaturas superficiais do Oceano Pacífico. Embora suas interações com outras variáveis climáticas, tais como a Oscilação Sul do El Niño (ENSO) e a Oscilação Decadal do Pacífico (PDO), não sejam ainda bem entendidas, é sabido que as fases positiva e negativa do IPO afetam a força e a frequência dos fenômenos de El Niño e La Niña. Cf. M. J. Salinger, J.A. Renwick & A.B. Mullan, “Interdecadal Pacific Oscillation and South Pacific climate”. International Journal of Climatology, 30/XI/2001: “O IPO é uma fonte significativa de variação climática nas escalas decenais de tempo em toda região do SO do Pacífico, num contexto que inclui aumentos da temperatura média superficial do planeta”.

[6] Cf. Bob Berwyn, “Europe’s Hot, Fiery Summer Linked to Global Warming, Study Shows”. Inside Climate News, 27/IX/2017: “The summer of 2003 is still the hottest on record for the whole of Europe, although 2017 was hotter in the Mediterranean region”.

[7] Cf. Reinaldo José Lopes e Carlos Fioravanti, “Ondas de calor mais intensas, longas e frequentes”. Revista Pesquisa Fapesp, XII/2017, pp. 26-29.

[8] Cf. Chris Fawkes, “Is climate change making hurricanes worse?”. BBC, 30/XII/2017.

[9] Cf. Cleide Carvalho, “Brasil termina 2017 com número recorde de queimadas desde 1999”. O Globo, 18/XII/2017.

[10] Cf. NOAA, “U.S. coral reefs facing warming waters, increased bleaching. Hotter-than-normal ocean temperatures continue for 3rd consecutive year”. 20/VI/2016.

[11] Cf. NOAA, “Coral bleaching during & since the 2014-2017 Global Coral Bleaching Event. Status and an Appeal for Observations”. 16/I/2018.

[12] Cf. Peter J. Gleckler et al., “Industrial-era global ocean heat uptake doubles in recent decades”. Nature Climate Change, 6, 18/I/2016, pp. 394-398.

[13] Cf. Lijing Cheng et al., “Improved estimates of ocean heat content from 1960 to 2015”. Science Advances, 10/III/2017.

[14] O Joule (J) é, aqui, a unidade de energia dissipada como calor quando uma corrente elétrica de um ampere passa pela resistência de um ohm por um segundo. Em termos práticos, é a energia requerida para aumentar a temperatura de 1 ml de água até 0,24 oC.

[15] Cf. Lijing Cheng & Jiang Zhu, “2017 was the Warmest Year on Record for the Global Ocean”.
Advances in Atmospheric Sciences, 34, março, 2018, pp, 261-263.

[16] Cf. Rebecca Lindsey, “Climate Change: Global Sea Level, NOAA, 11/IX/2017: “Sea level continues to rise at a rate of just over one-eighth of an inch (3.4 mm) per year, due to a combination of melting glaciers and ice sheets, and thermal expansion of seawater as it warms”.

[17] Cf. “Two-thirds of major emitting countries not on track to reach Paris climate proposals”. PBL Netherlands Environmental Assessment Agency, 1/XI/2017.

[18] Cf. Akshat Rathi, “If Germany can’t hit its own climate goals to help the world, can anybody else?”. Quartz,  10/I/2018.

[19] Cf. Arthur Neslen, “Only Sweden, Germany and France among EU are pursuing Paris climate goals, says study”. The Guardian, 28/III/2017 e Carbon Market Watch, EU Climate Board. Policy Briefing, III/2017 (em rede).

[20] Cf. Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG). http://plataforma.seeg.eco.br/total_emission.

[21] Cf. Corinne Le Quéré et al., “Global Carbon Budget 2017”. Earth System Science Data, 13/XI/2017: “For 2017, preliminary data indicate a renewed growth in EFF [Emissões de combustíveis fósseis] of +2.0 % (range of 0.8 % to 3.0 %)”. Veja-se também “Analysis: Global CO2 emissions set to rise 2% in 2017 after three-year ‘plateau’, CarbonBrief, 13/XI/2017.

[22] Vejam-se, entre outros, Michael E. Mann, “Earth Will Cross the Climate Danger Threshold by 2036”. Scientific American, 1/IV/2014; R. B. Jackson, P. Friedlingstein, J. G. Canadell, R.M. Andrew, “Two or three degrees: CO2 Emissions and Global Temperature Impacts”. The Bridge on Energy, the Environment, and Climate Change, 3/VII/2015.

[23] Cf. AIE, “Energy Snapshot”, 6/IV/2017.

[24] Cf. EIA, “Short-Term Energy Outlook”, 9/I/2018.

Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 2a edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises Socioambientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização (crisalida.eco.br) – Publicado originalmente no Jornal da Unicamp.

A interferência humana nas mudanças climáticas

Leila Teresinha Maranho

Estima-se que o planeta Terra tem, aproximadamente, 4 bilhões de anos. Durante esse período, ele passou por diferentes transformações que foram divididas em eras geológicas. Essas eras correspondem a grandes intervalos de tempo que foram divididos ainda, em períodos.

Evidências demonstram que, durante todos esses períodos, aconteceu extinção em massa, isto é, o decréscimo da biodiversidade devido à extinção de vários grupos de seres vivos ao mesmo tempo. As causas dessas extinções podem variar, porém, são fortes as evidências que indicam que elas não sejam resultado de um fato isolado, mas da combinação de vários fenômenos. Entre os principais acontecimentos podem ser citados choques de asteroides, erupções vulcânicas, alterações climáticas, entre outros.

A história do clima da Terra mostra que as eras do gelo vêm e vão e são causadas por mecanismos naturais que a humanidade é incapaz de controlar. E que, ao longo da história, a extinção de espécies e mudanças climáticas são comuns.

A raiz de muitos problemas ambientais, se não todos, coloca diante do problema “o tamanho da população humana”. Erroneamente, se diz que a população global tem crescido exponencialmente. No entanto, em uma população que cresce exponencialmente, a taxa de aumento por indivíduo é constante.

Mas, a população humana cresce a uma taxa em aceleração. Mais pessoas significa o aumento por demanda de energia e maior consumo de recursos não renováveis, como combustíveis fósseis, petróleo, carvão e gás natural. Esses combustíveis se originaram a partir de restos de seres vivos que foram se depositando ao longo de milhões de anos em camadas muito profundas da crosta terrestre e transformados pela ação da temperatura e pressão e, em curto prazo de tempo, o homem explora e os queima, liberando para a atmosfera grandes quantidades de carbono, quantidades estas que foram acumuladas há cerca de 65 milhões de anos.

Sem dúvida nenhuma, o uso de combustíveis fósseis tem fornecido energia para transformar grande parte do nosso planeta por meio do desenvolvimento industrial, da agricultura intensiva e da urbanização. Entretanto, é evidente a interferência das ações humanas sobre uma diversidade de problemas ambientais, entre eles, as mudanças climáticas.

A compreensão das mudanças climáticas envolve muitos fatos, a evidência é bastante clara a partir de observações e análises, mas os fatos não são suficientes. O papel dos cientistas é apresentar os fatos, as perspectivas e as consequências, mas a decisão sobre o que fazer com eles envolve todos.

Assim, os valores, a equidade entre nações e gerações, os interesses, o princípio da precaução, a ideologia e muitos outros fatores entram em jogo para decidir se não devemos fazer nada e sofrer as consequências, ou se devemos agir. O fato é que a mudança climática é um problema global com graves implicações: ambiental, social, econômica, política – e representa um dos principais desafios que a humanidade se depara nos dias atuais e, certamente, enfrentará em um futuro não muito distante. Os cientistas têm dois desafios urgentes: avançar no conhecimento científico e envolvê-lo integralmente nas políticas locais, nacionais e globais.

Leila Teresinha Maranho é bióloga, doutora em engenharia florestal e coordenadora do mestrado profissional em biotecnologia industrial da Universidade Positivo (UP).

“Tostados, assados e grelhados”

Luiz Marques

​“Como disse antes, se não fizermos nada a respeito da mudança climática, seremos tostados, assados e grelhados num horizonte de tempo de 50 anos. (…) Se não encararmos essas duas questões – mudança climática e desigualdade crescente – avançaremos a partir de agora em direção a sombrios 50 anos” (I). Quem fala é Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional, durante um painel da Future Investment Initiative, ocorrido em 25 de outubro em Riad, na Arábia Saudita.

É positivo que o FMI funcione como uma caixa de ressonância da ciência e que junte sua voz ao coro dos alertas sobre a situação-limite em que a humanidade e a biosfera se encontram. Mas o FMI é o primogênito e um dos principais gendarmes da ordem econômica internacional que está condenando os homens e a biosfera a serem “tostados, assados e grelhados num horizonte de tempo de 50 anos”. Não tem, portanto, autoridade moral para emitir alertas desse gênero. “Como disse antes”, afirma acima Lagarde…

De fato, já em 2012, às vésperas da Rio+20, ela havia declarado num encontro do Center for Global Development, em Washington, que “a mudança climática é claramente um dos grandes desafios de nosso tempo, um dos grandes testes de nossa geração. Para os mais pobres e mais vulneráveis do mundo, a mudança climática não é uma possibilidade distante. É uma realidade presente” (II). E anunciava então que o FMI desenvolveria pesquisas e daria suporte analítico aos países com políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), em particular através de instrumentos fiscais, como precificação do carbono e eliminação dos subsídios. Passados cinco anos, eis o que aconteceu:

1. Os subsídios à indústria de combustíveis fósseis continuam a crescer. Em 2013, eles montavam a US$ 4,9 trilhões e em 2015 atingiram US$ 5,3 trilhões, ou 6,5% do PIB mundial, segundo um estudo recente. “A eliminação desses subsídios”, afirmam seus autores, “teria reduzido as emissões de carbono, em 2013, em 21%, e em 55%, as mortes por poluição causada pela queima de combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que teria elevado a renda em 4% do PIB global e o bem-estar social em 2,2%” (III). Se entendidos stricto sensu, ou seja, como privilégio fiscal ou transferência de recursos estatais para essa indústria, os subsídios dos governos do G20 – os mesmos que prometeram seu fim em 2009 – montavam em 2015 a US$ 444 bilhões (IV).

2. Imposto sobre a emissão de carbono (carbon tax). A segunda medida apoiada por Lagarde era a precificação adequada do carbono: “corrigir seus preços significa usar uma política fiscal capaz de garantir que o malefício que causamos reflita-se nos preços que pagamos” (V). Tal imposto foi sugerido já em 1973 por David Gordon Wilson (VI), do MIT, e reproposto agora, pela enésima vez, por 13 economistas, no âmbito de uma iniciativa presidida por Joseph Stiglitz e Sir Nicholas Stern (VII). O estudo sugere que este seja em 2020 de 40 a 80 dólares por tonelada de CO2 emitido e, em 2030, de 50 a 100 dólares. Não se sabe em quanto esse imposto, se adotado, contribuiria para a redução das emissões de GEE. Mas se sabe que o FMI em nada tem contribuído para viabilizá-lo. De resto, em março último, Trump descartou-o e sem o apoio dos EUA, um dos maiores produtores mundiais de petróleo, ele parece hoje mais irrealista que nunca.

Leonardo Martinez-Diaz, do World Resources Institute, percebe bem a hipocrisia do FMI: “Uma das funções centrais do FMI é a vigilância macroeconômica. (…) O Fundo deveria colocar o risco climático no diálogo com os Estados, como um item formal de suas consultas”. E, sobretudo, “considerar as despesas em resiliência como investimentos dos Estados devedores” (VIII). Mas, isso Christine Lagarde não fez, e não fará, porque prejudicaria os interesses dos credores.

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Voluntários posam nus, na geleira de Aletsch, nos Alpes suíços, durante campanha ambiental sobre o aquecimento global, em 2007 | Foto: Reprodução | Greenpeace

Quatro décadas de alertas científicos

Se é nula a credibilidade do FMI no que se refere à sua contribuição para mitigar essa situação extremamente grave, isso não altera o fato de que o diagnóstico de Lagarde baseia-se no mais consolidado consenso científico. Há décadas a ciência adverte que o aquecimento continuado da atmosfera e dos oceanos – causado sobretudo pela queima de combustíveis fósseis, pelo desmatamento e pelo surto global de carnivorismo – lançaria o século XXI num série de crescentes desastres sociais e ambientais. Quase quatro décadas atrás, em 1981, quando o aquecimento global era ainda de apenas 0,4o C acima dos anos 1880, James Hansen e colegas afirmavam num trabalho da Science (IX):

“Efeitos potenciais sobre o clima no século XXI incluem a criação de zonas propensas a secas na América do Norte e Ásia Central como parte de uma mudança nas zonas climáticas, erosão das camadas de gelo da Antártica com consequente elevação global do nível do mar e a abertura da famosa passagem do Noroeste [no Ártico]. (…) O aquecimento global projetado para o próximo século é de uma magnitude quase sem precedentes. Baseados nos cálculos de nosso modelo, estimamos que ele será de ~2,5o C para um cenário com lento crescimento de energia e um misto de combustíveis fósseis e não fósseis. Esse aquecimento excederia a temperatura durante o período antitermal (6.000 anos atrás) e o período interglacial anterior (Eemiano) e se aproximaria da temperatura do Mesozoico, a idade dos dinossauros”.

Entre 1984 e 1988, James Hansen depôs três vezes no Senado dos Estados Unidos. Na última vez, diante de 15 câmaras de televisão, projetou cenários de aquecimento global de até 1,5o C em 2019 em relação à média do período 1951-1980, como mostra a Figura 1, reproduzida a partir desse histórico documento de 1988.

Figura 1 – Projeção de aquecimento médio superficial global até 2019, segundo três cenários

O Cenário A supõe uma taxa de aumento das emissões de CO2 típica dos 20 anos anteriores a 1987, isto é, um crescimento a uma taxa de 1,5% ao ano. O Cenário B assume taxas de emissão que estacionam aproximadamente no nível de 1988. O Cenário C é de drástica redução dessas emissões atmosféricas no período 1990 – 2000. A linha contínua descreve o aquecimento observado até 1987. A faixa cinza recobre o nível pico de aquecimento durante os períodos Antitermal (6.000 anos AP) e Eemiano (120.000 anos AP). O ponto zero das observações é a média do período 1951-1980.

Fonte: “The Greenhouse Effect: Impacts on Current Global Temperature and Regional Heat Waves”, figura 3. Documento apresentado ao Senado por James Hansen em 1988. Veja-se:https://climatechange.procon.org/sourcefiles/1988_Hansen_Senate_Testimony.pdf

As projeções de Hansen são uma das mais espetaculares demonstrações de inteligência do sistema Terra na história recente da ciência, que só hoje podemos aquilatar em sua real dimensão. Seus Cenários A e B anteciparam a uma distância de 30 anos um aquecimento médio global entre ~1,1o C e 1,5o C. Foi exatamente o que aconteceu, como mostra a Figura 2

Figura 2 – Temperaturas superficiais globais em relação ao período de base 1880-1920 | Fonte:Earth Institute. Columbia University

Como se vê, desde 1970 as temperaturas médias globais têm se elevado 0,18o C por década e em 2016 elas atingiram +1,24o C em relação a 1880-1920. Mantida a aceleração do aquecimento médio global observada no triênio 2015-2017 (~0,2o C), deveremos atingir ou estar muito próximos, em 2019, do nível de aquecimento previsto no pior cenário assumido por James Hansen e colegas.

Energias fósseis x energias renováveis e de baixo carbono

Naturalmente, quem está no controle do mundo não se interessa por acurácia científica, quando esta interfere em seus planos de negócios. Os alertas de toda uma legião de cientistas no mundo todo continuam a se espatifar contra o muro inexpugnável das corporações, que impuseram e continuam a impor à humanidade e à biosfera o “Cenário A” previsto por James Hansen. Os números, melhor que quaisquer argumentos, revelam a extensão do crime: desde 1988, data do testimony de Hansen no Senado dos EUA, mais CO2 foi lançado na atmosfera do que entre 1750 e 1987, como mostra a Figura 3

Figura 3 – Emissões industriais de CO2 entre 1751 e 2014. De 1751 a 1987 foram emitidas 737 Gt (bilhões de toneladas). Entre 1988 e 2014 foram emitidas 743 Gt.  | Fonte: T. J. Blasing, “Recent Greenhouse Gas Concentrations”. Carbon Dioxide Information Analysis Center (CDIAC), Abril, 2016, baseado em Le Quéré et al. (2014) e Boden, Marland e Andres (2013).

Em 2017 teremos já ultrapassado 800 Gt de CO2 emitidos na atmosfera em quarenta anos. As corporações que lucram com essas emissões e com a destruição das florestas – em especial os xifópagos Big Oil & Big Food – venceram e continuam vencendo. Em Riad, na semana passada, Christine Lagarde acrescentou que “as decisões devem ser imediatas, o que provavelmente significará que nos próximos 50 anos o petróleo se tornará uma commodity secundária”. Foi contradita por Amin Nasser, presidente da estatal Saudi Arabian Oil Company (Aramco): “Alternativas, carros elétricos e renováveis estão definitivamente ganhando participação no mercado e estamos vendo isso. Mas décadas serão ainda necessárias antes que assumam uma participação maior na oferta de energia global” (X).

Mantido o paradigma expansivo do capitalismo (obviamente dependente das reservas restantes de petróleo, algo incerto), o prognóstico de Amin Nasser afigura-se mais credível que o de Christine Lagarde. Ele ecoa a convicção de seus pares de que a hegemonia dos combustíveis fósseis não será sequer ameaçada, quanto menos superada, por energias de baixo carbono pelos próximos dois ou três decênios. Barry K. Worthington, diretor da toda poderosa United States Energy Association, afirma, e é fato, que “nenhuma projeção credível” mostra uma participação menor que 40% dos combustíveis fósseis em 2050 (XI). Mesmo o carvão, cujo declínio iniciado nos dois últimos anos parecia a muitos ser irreversível, resiste. Nos EUA, sua produção em 2017 será 8% maior que em 2016 (XII). No mundo todo havia, em outubro de 2017, 154 unidades termelétricas movidas a carvão em construção e 113 em expansão, um número ainda superior ao das unidades que estão sendo desativadas (XIII).

Um argumento em favor da ideia de uma ainda longa hegemonia futura dos combustíveis fósseis provém de um trabalho de três pesquisadores da Universidade de Bergen, na Noruega (XIV). Os autores partem da constatação de que em 2015 o consumo energético global foi de 17 Terawatts (TW), dos quais apenas 3,9% (0,663 TW) provieram de energias eólica (0,433 TW) e fotovoltaica (0,230 TW). Assumem em seguida a projeção de que esse consumo quase dobre em 2050, atingindo 30 TW. Detectam então indícios de que a taxa de crescimento das energias eólica e fotovoltaica comece a declinar já ao longo da próxima década, saturando sua capacidade instalada não acima de 1,8 TW em 2030, o que as levaria a assumir a forma da curva de uma função logística ou sigmóide (em “S”), como mostra a Figura 4.

Figura 4 – Capacidade instalada global total de energia eólica e fotovoltaica (pontos verdes)
A linha contínua é a do modelo logístico (curva sigmóide), semelhante à evolução das energias hidrelétrica e nuclear. As linhas pontilhadas indicam um intervalo de confiança de 95%. O ponto vermelho indica os prognósticos das associoções de acionistas. O quadro inserido mostra o declínio previsto das taxas de crescimento dessas energias. | Fonte: J.P. Hansen, P.A. Narbel, D.L. Aksnes, “Limits to growth in the renewable energy sector”. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 70, IV/2017, pp. 769-774.

A COP 23 e a “catastrófica brecha climática”

Como se sabe, abre-se hoje, 6 de novembro de 2017, em Bonn, mais uma reunião anual da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (UNFCCC), a 23ª Conferência das Partes (COP23). Sua agenda central será fazer avançar as diretrizes (rule-book) de implementação do Acordo de Paris, preparadas por um grupo de trabalho – o Ad-hoc Working Group on the Paris Agreement (APA) –, coordenado pela Nova Zelândia e pela… Arábia Saudita. Por improvável que seja a projeção de Christine Lagarde de que “nos próximos 50 anos o petróleo se tornará uma commodity secundária”, suas declarações na capital mundial do petróleo têm o mérito de reforçar o senso de urgência requerido para mais essa rodada de negociações.  Esse senso de urgência é mais que nunca necessário, pois o contexto político e ambiental em que se abre a COP23 não poderia ser mais adverso, como bem indica o quadro atual de bloqueio do Acordo, em contraste com a angustiante aceleração da degradação ambiental nos últimos meses:

1. Quase dois anos após sua assinatura, o Acordo de Paris não foi ainda ratificado (não está em vigor) por 13 países produtores e detentores das maiores reservas mundiais de petróleo, conforme mostra a tabela abaixo

Fontes: Paris Agreement – Status of Ratification U.S. | EIA Production of Crude Oil including Lease Condensate 2016

A esses 13 países que não ratificaram o Acordo, acrescentam-se os EUA, em vias de deixá-lo. De modo que mais de um terço da produção mundial de petróleo encontra-se em nações que não reconhecem oficialmente o Acordo de Paris, e não o reconhecem, declaradamente ou não, porque não têm intenção de diminuir sua produção.

(2) Em julho, reunido na China, o G20 deu uma demonstração de fraqueza ou de oportunismo ao ceder às pressões dos EUA e da Arábia Saudita para eliminar de sua declaração conjunta final qualquer menção à necessidade de financiar a adaptação dos países pobres às mudanças climáticas, condição de possibilidade do Acordo de Paris (XV).

(3) Em 18 de outubro passado, o Global Forest Watch revelou que em 2016 foram destruídos globalmente 297 mil km2 de florestas pelo avanço da agropecuária, da mineração, da indústria madeireira e de incêndios mais devastadores, criminosos e/ou exacerbados pelas mudanças climáticas (XVI). Trata-se de um recorde absoluto em área destruída e de um recorde no salto de 51% em relação a 2015, como mostra a Figura 5.

Figura 5 – Perdas de cobertura florestal global de 2011 a 2016 | Fonte: Global Forest Watch

(4) Em 30 de outubro, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) reconheceu um avanço de 3,3 ppm (partes por milhão) nas concentrações atmosféricas de CO2 no intervalo de apenas 12 meses. Essas concentrações “deram em 2016 um salto, numa velocidade recorde, atingindo seu mais alto nível em 800 mil anos”. Desde 1990, afirma o boletim da OMM, houve um aumento de 40% na forçante radiativa total (o balanço entre a energia incidente e a energia refletida de volta para o espaço pelo sistema climático da Terra) causada pelas emissões de GEE, e um aumento de 2,5% apenas em 2016 em relação a 2015 (XVII).

(5) Enfim, o oitavo Emissions Gap Report, de 2017, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), adverte que as reduções de emissões de GEE acordadas em Paris estão muito aquém do requerido para conter o aquecimento médio global abaixo de 2o C ao longo deste século. Como faz notar Erik Solheim, diretor do (PNUMA), “as promessas atuais dos Estados cobrem não mais que um terço das reduções necessárias. (…) Os governos, o setor privado e a sociedade civil devem superar essa catastrófica brecha climática” (XVIII). E reafirma que, se os compromissos nacionais (NDCs) forem implementados, chegaremos ao final deste século com um aquecimento médio global de cerca de 3,2o C (2,9o C a 3,4o C). Mas os governos estão descumprindo até mesmo esse terço por eles prometido em 2015. Segundo Jean Jouzel, ex-vice-presidente do IPCC, “os primeiros balanços das políticas nacionais mostram que, globalmente, estamos abaixo dos engajamentos assumidos em Paris. E sem os EUA, será muito difícil pedir aos outros países que aumentem suas ambições. (…) Para manter alguma chance de permanecer abaixo dos 2o C é necessário que o pico das emissões seja atingido no mais tardar em 2020” (XIX).

Não há que se preocupar. Faltam ainda mais de dois anos…

 

[I] Citado em Anmar Frangoul, “IMF’s Lagarde: If nothing is done about climate change, we will be ‘toasted, roasted and grilled’.” CNBC, 25/X/2017: “As I’ve said before, if we don’t do anything about climate change now, in 50 years’ time we will be toasted, roasted and grilled. (…) If we don’t address those two issues — of climate change and growing inequalities — we will be moving towards a dark 50 years from now”.

[II] Cf. Lawrence MacDonald, “IMF Chief Warns of Triple Crisis – Economic, Environment, Social – Details IMF Actions to Help on Climate”. Center for Global Development, 12/VI/2012.

[III] Cf. David Coady, Ian Parry, Louis Sears, Baoping Shang, “How Large Are Global Fossil Fuel Subsidies?”. World Development, 91, 17/III/2017. Para os autores, subsídios ocorrem: “when consumer prices are below supply costs plus environmental costs and general consumption taxes”.

[IV] Cf. Elizabeth Bast, Alex Doukas, Sam Pickard, Laurie van der Burg & Shelagh Whitley, Empty Promises. G20 Subsidies to Oil, Gas and Coal Production”, Novembro de 2015, p. 9 (em rede).

[V] Citado por Lawrence MacDonald (cit.).

[VI] Cf. Chris Berdik, “The unsung inventor of the carbon tax”. The Boston Globe, 10/VIII/2014.

[VII] Cf. Carbon Price Leadership Coalition (World Bank), Report of The High-Level Commission on Carbon Prices. 29/V/2017 (em rede).

[VIII] Cf. Leonardo Martinez-Diaz, “The IMF and Climate Change: Three Things Christine Lagarde Can Do to Cement Her Legacy on Climate”. World Resources Institute, 10/X/2017.

[IX] Cf. J. Hansen et al., “Climate Impact of Increasing Atmospheric Carbon Dioxide”. Science, 213, 4511, 28/VIII/1981.

[X] Citado por A. Frangoul (cit.).

[XI] Citado por Lisa Friedman, “Trump Team to Promote Fossil Fuels and Nuclear Power at Bonn Climate Talks”. The Washington Post, 2/XI/2017.

[XII] Cf. U.S. Energy Information Administration, Short-Term Energy Outlook, Coal, 11/X/2017 (em rede).

[XIII] Cf. Adam, Morton, “The world is going slow on coal, but misinformation is distorting the facts”. The Guardian, 16/X/2017: “More coal-fired capacity is still being built than closed each year, though the gap has narrowed significantly”.

[XIV] Cf. J.P. Hansen, P.A. Narbel, D.L. Aksnes, “Limits to growth in the renewable energy sector”. Renewable and Sustainable Energy Reviews, 70, IV/2017, pp. 769-774.

[XV] Cf. John Sharman, “US ‘forces G20 to drop any mention of climate change’ in joint statement”. The Independent, 18/III/2017.

[XVI] Cf. Mikaela Weisse & Liz Goldman, “Global Tree Cover Loss Rose 51% in 2016”, GFW, 18/X/2016.

[XVII] “Greenhouse gas concentrations surge to new record”. World Meteorological Organisation, 30/X/2017..

[XVIII] Cf. Erik Solheim, The Emissions Gap Report 2017. A UN Environment Synthesis Report, p. XIII.

[XIX] Cf. Pierre Le Hir, “Réchauffement climatique: la bataille des 2o C est presque perdue”. Le Monde, 31/XII/2017.

Luiz Marques é professor livre-docente do Departamento de História do IFCH /Unicamp. Pela editora da Unicamp, publicou Giorgio Vasari, Vida de Michelangelo (1568), 2011 e Capitalismo e Colapso ambiental, 2015, 2a edição, 2016. Coordena a coleção Palavra da Arte, dedicada às fontes da historiografia artística, e participa com outros colegas do coletivo Crisálida, Crises Socioambientais Labor Interdisciplinar Debate & Atualização (crisalida.eco.br) – Publicado originalmente no Jornal da Unicamp.

A sustentabilidade no Antropoceno

A solidão do Homo sapiens sapiens

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Hayrton Rodrigues do Prado Filho, jornalista profissional registrado no Ministério do Trabalho e Previdência Social sob o nº 12.113 e no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo sob o nº 6.008

Se você ficar em um lugar escuro, sem música, sem barulho do mundo exterior, dá para você escutar o rumor da sua solidão. Esse é o homo sapiens sapiens olhando a fogueira nas cavernas ou olhando a tela de seu computador ou seu celular. A solidão que faz buscar paraísos, infernos ou purgatórios para tentar explicar o inexplicável. A lógica ilógica das coisas sobre a Terra, dos planetas visíveis, do universo em uma noite escura e brilhante. Olhando o horizonte infinito de uma praia, os seus olhos chegam a arder e à sua mente vem a vontade de ir até lá.

Uma jornada de mais de 160.000 anos. Há evidência arqueológica do seu genoma mitocondrial (mtDNA materno) e cromossomo Y (DNA paterno) no leste da África. Antes disto (pelo menos há 500.000 anos), grupos de hominídeos como o homem de Pequim, de Heidelberg e de Neandertal haviam saído da África e habitaram a Europa e Ásia. Mas estes não eram homo sapiens sapiens.

Entre 160.000 a 135.000 anos quatro grupos portando a primeira geração de genoma mitocondrial tipo L1 viajaram como caçadores para o sul ao Cabo da Boa Esperança, para o sudoeste até a bacia do rio Congo e para oeste rumo à Costa do Marfim. Entre 135.000 a 115.000 anos um grupo viajou através de um Saara verde e fértil, através de uma passagem, subiu o rio Nilo e ocupou a Ásia Menor.

Entre 115.000 a 90.000 anos o grupo que chegou à Ásia Menor se extinguiu. Um resfriamento global converteu esta área e o norte da África num deserto extremo. A região voltou a ser ocupada mais tarde por Neandertais.

Entre 90.000 a 85.000 um grupo atravessou a boca do Mar Vermelho – pela Porta das Lamentações (Bab el-Mandeb) – antes de seguir seu caminho ao longo da costa sul da península arábica em direção à Índia. Todos os não africanos são descendentes deste grupo.

Entre 85.000 a 75.000, a partir do Sri Lanka (antigo Ceilão ao sul da Índia) eles continuaram ao longo da costa do Oceano Índico até a Indonésia ocidental, que na época era parte da Ásia continental. Ainda seguindo a costa eles passaram ao redor de Bornéu e chegaram ao sul da China.

Há 74.000 anos uma enorme erupção do Monte Toba, na Sumatra, causou um inverno artificial que durou 6.000 anos e uma instantânea era glacial por 1.000 anos, desencadeando uma aniquilação da população humana que ficou reduzida a menos de 10.000 adultos. As cinzas vulcânicas cobriram grande parte da Índia e do Paquistão cobrindo a superfície com uma camada de 5 metros.

Entre 74.000 a 65.000 anos, após a devastação do subcontinente indiano, ocorreu um novo povoamento. Alguns grupos navegaram em botes do Timor para Austrália e também de Bornéu para a Nova Guiné. Havia um frio intenso no Pleniglacial Inferior ao norte.

Entre 65.000 a 52.000 anos um dramático aquecimento global finalmente permitiu que alguns grupos pudessem se dirigir ao norte pela Crescente Fértil para retornar a Ásia Menor. Dali, há 50 mil anos, chegaram ao Bósforo e entraram no continente europeu.

Entre 52.000 a 45.000 anos, houve uma pequena idade do gelo. A cultura Aurignaciana do Paleolítico Superior saiu da Turquia para a Bulgária na Europa. Novos estilos de ferramentas de pedra se estenderam ao norte pelo rio Danúbio em direção a Hungria e depois para a Áustria.

Entre 45.000 a 40.000 anos grupos da costa oriental da Ásia Central seguiram rumo ao nordeste da Ásia. Do Paquistão rumaram para a Ásia Central e da Indochina através do Tibet até a planície de Qing-Hai.

Entre 40.000 a 25.000 anos, da Ásia Central, grupos seguiram para Oeste rumo ao Leste Europeu e para o Norte ao círculo polar ártico unindo-se com asiáticos orientais e disseminaram o nordeste da Eurásia (Sibéria). Este período assistiu o nascimento de espetaculares obras de arte como os da Caverna Chauvet (França).

Entre 25.000 a 22.000 anos os ancestrais dos nativos americanos cruzaram o estreito de Bering pela ponte terrestre que ligava a Sibéria ao Alaska. Passaram tanto pelo corredor de gelo antes do Último Máximo Glacial atingindo Meadowcroft (Pensilvânia) como pela rota costeira.

Entre 22.000 a 19.000 anos, durante a última Idade do Gelo, o norte da Europa, da Ásia e América do Norte estavam totalmente despovoadas com alguns grupos sobreviventes isolados em refúgios. Na América do Norte o corredor de gelo se fechou e a rota costeira congelou.

Entre 19.000 a 15.000 anos, houve o último Máximo Glacial. Na América do Norte, ao sul do gelo, alguns grupos continuaram a desenvolver diversidades na língua, cultura e genética à medida em que cruzaram para a América do Sul.

Entre 15.000 a 12.500 anos, o clima global continuou melhorando. A rota costeira recomeçou. Em Monte Verde (Chile) foram descobertas habitações humanas. Datação por carbono 14 indicam que isso ocorreu entre 11.790 e 13.565 anos. Escavações da Universidade de Kentucky encontraram ferramentas de pedra lascada e pedras arredondadas para calçamento.

Entre 22.500 a 10.000 anos o gelo retrocedeu do sul para o norte. Há 11.500 anos grupos saíram dos seus refúgios do sul do Ártico da Beríngia para se desenvolverem como esquimós, aleutas e falantes da língua Na-Dené.

Entre 10.500 a 8.000 anos o colapso final da Idade do Gelo anunciou o amanhecer da agricultura. O Saara era um pasto cheio de árvores como sugerem os petróglifos de girafas do período Neolítico no deserto de Níger.  Inicia a recolonização das ilhas britânicas e da Escandinávia.

Há 8 mil anos o Homo Sapiens já havia conquistado o mundo. Desta época, saindo da Idade da Pedra atravessou a Idade do Bronze e a Idade do Ferro. De uma população total de 4 milhões chegou a 7 bilhões de habitantes.

Atualmente, já existe a ideia de uma nova era geológica, pois está havendo uma mudança radical no Planeta em um curto espaço de tempo, acelerada pela ação humana. Uma enorme pressão sobre a Terra: o Antropoceno.

O Planeta em seus 4,5 milhões de anos de existência já passou por vários ciclos na escala geológica, com devastações, sendo que a última ocorreu há 67 milhões de anos. Há uma teoria de que um asteróide atingiu o México há 65 milhões de anos, formando a cratera Chicxulub, e que provocou a alteração do clima e a extinção de espécies como os dinossauros. A era Mesozóica, dominada pelos répteis, foi seguida pela era Cenozóica – dos mamíferos – o que incluiu o aparecimento dos primatas.

Nessa nova era, as atividades dos seres humanos estariam influenciando as transformações no mundo, num ritmo acelerado. O modo de vida relacionado com a produção e o consumo está mexendo com o clima. E podem aumentar o risco de aquecimento do planeta. Contudo, a solidão continua a atormentar a eternidade do ser humano.

Falar em sustentabilidade hoje está complicado e vai envolver fortes mudanças de atitude de para todos os seres humanos. A enorme desigualdade na distribuição das riquezas no planeta traz instabilidade política, econômica e social, e é preciso minimizá-la para evitar conflitos ainda mais sérios. Desenvolvimento sustentável demanda um esforço conjunto para a construção de um futuro com inclusão e resiliente para todas as pessoas e todo o planeta.

As mudanças climáticas são um dos pontos centrais, pois ela já impacta a saúde pública, a segurança alimentar e hídrica, a migração, a paz e a segurança. E, se não for controlada, reduzirá os ganhos de desenvolvimento alcançados nas últimas décadas e impedirá possíveis ganhos futuros para as próximas gerações.

Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital Banas Qualidade, editor do blog https://qualidadeonline.wordpress.com/ e membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ)hayrton@hayrtonprado.jor.br

As análises da NASA e NOAA revelaram um recorde de altas temperaturas globais em 2015

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As temperaturas continuaram altas em 2015, havendo uma tendência de aquecimento global de longo prazo, de acordo com análises feitas pelos cientistas da National Aeronautics and Space Administration (NASA) e da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA). O NASA’s Goddard Institute for Space Studies (GISS) in New York (GISTEMP) concordou com a constatação de que 2015 foi o ano mais quente já registrado com base em análises dos dados. A análise da NASA estimou que 2015 foi o ano mais quente com 94% de certeza.

“A mudança climática é o desafio de nossa geração e o trabalho vital da NASA sobre esta importante questão afeta cada pessoa na Terra”, explica o administrador da NASA Charles Bolden. “O anúncio não só ressalta como é crítico o programa de observação da Terra da NASA, ou seja se tornou um ponto de dados chave que deveria fazer com que as gestores públicos se movimentassem ao tomar conhecimento disso. Agora é a hora de agir sobre o clima”.

A temperatura média da superfície do planeta subiu cerca de 1,8 graus Fahrenheit (1,0 grau Celsius) desde o final do século 19, uma mudança em grande parte impulsionado pelo aumento do dióxido de carbono e outras emissões criadas pelo homem na atmosfera. A maior parte do aquecimento ocorrido nos últimos 35 anos, com 15 dos 16 anos mais quentes registrados ocorrendo desde 2001. No ano passado foi a primeira vez que as temperaturas médias globais foram de 1 grau Celsius ou mais acima da média de 1880-1899.

Os fenômenos como o El Niño ou La Niña, que esquenta ou esfria o Oceano Pacífico tropical, podem contribuir para as variações de curto prazo na temperatura média global. Um aquecimento do El Niño esteve em vigor durante a maior parte de 2015.

“2015 foi notável, mesmo no contexto da continuidade do El Niño”, disse Gavin Schmidt, diretor do GISS. “As temperaturas do ano passado tiveram uma assistência de El Niño, mas é o efeito cumulativo da tendência de longo prazo que resultou no registro de aquecimento que estamos assistindo”.

A dinâmica do tempo muitas vezes afetam as temperaturas regionais, de modo que nem todas as regiões na Terra experimentaram as temperaturas médias recordes no ano passado. Por exemplo, a NASA e a NOAA descobriram que a temperatura média anual de 2015 para os 48 estados dos Estados Unidos foi o segundo mais quente já registrado.

As análises da NASA incorporaram as medições de temperatura de superfície de 6.300 estações meteorológicas, as observações navais e os dados baseados em boia de temperaturas da superfície do mar e as medições de temperatura de estações de pesquisa da Antártida. Estas medições são analisadas utilizando um algoritmo que considera o espaçamento variado das estações de temperatura em todo o mundo e os efeitos do aquecimento local que poderiam distorcer as conclusões. O resultado desses cálculos é uma estimativa da diferença de temperatura média global a partir de um período de referência de 1951 a 1980.

Os cientistas da NOAA usaram os mesmos dados de temperatura, mas em um período de referência diferente e métodos diferentes para analisar as regiões polares e as temperaturas globais da Terra. O GISS é um laboratório da NASA gerenciado pela Earth Sciences Division of the agency’s Goddard Space Flight Center in Greenbelt, Maryland. O laboratório é afiliado com a Columbia University’s Earth Institute and School of Engineering and Applied Science in New York.

A NASA monitora os sinais vitais da Terra a partir da terra, ar e espaço com uma frota de satélites, bem como com a observação no ar e no solo. A agência desenvolve novas maneiras de observar e estudar os sistemas naturais da Terra interligados com registros de dados de longo prazo e ferramentas de análise de computador para ver melhor como o planeta está mudando. As ações da NASA deste conhecimento exclusivo são compartilhadas com a comunidade global e ela trabalha com instituições nos Estados Unidos e ao redor do mundo que contribuem para a compreensão e proteção do planeta.

Estudo do INPE quantifica o papel do desmatamento e da degradação florestal nas emissões de CO2 até 2050

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O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) fez um estudo apresentando os cenários de uso da terra e emissões de gases do efeito estufa atualizados para a Amazônia brasileira. O trabalho ajuda a elucidar o potencial e as limitações das metas propostas pelo Brasil na intended Nationally Determined Contribution (iNDC), subsidiando as discussões para a COP21 em Paris.

Ana Paula Aguiar, pesquisadora do CCST/INPE e uma das líderes do estudo, explica que a necessidade de elaboração de novos cenários surgiu das mudanças observadas na região na última década. “Muitos estudos discutiram o futuro da Amazônia nos anos 2000, com foco principal na questão do desmatamento. Porém, aqueles estudos foram desenvolvidos com base num contexto socioeconômico e institucional de total falta de controle do desmatamento – e mesmo seus cenários mais otimistas seriam considerados hoje muito pessimistas. A situação mudou e com ela houve a necessidade de atualizar os cenários. Porém, o futuro da região continua muito incerto. Por exemplo, embora as taxas de desmatamento na Amazônia tenham caído desde 2004, elas estabilizaram em torno de 6.000 km²/ano nos últimos cinco anos. As taxas vão cair mais, estabilizar ou subir novamente? O Código florestal será cumprido? Como o passivo ambiental será regularizado? Os altos índices de degradação florestal atuais serão revertidos? As respostas dependem de uma série de fatores, externos e internos – em especial, do modo como os governos e a sociedade irão lidar com a demanda por terra e commodities nas próximas décadas. Mas os novos cenários que propomos não se limitam às questões de recursos naturais e uso da terra. Eles são abrangentes, incluindo explicitamente a dimensão social como eixo de discussão. Temas bastante importantes, tais como a urbanização caótica e a desigualdade de acesso aos recursos na região também foram abordados”, ressalta a pesquisadora.

Neste contexto, narrativas contrastantes sobre o futuro foram construídas de modo participativo, através de workshops com representantes da sociedade civil e governo, no âmbito do projeto Amazalert, em parceria com a Embrapa, Museu Emilio Goeldi e diversas outras organizações. Os elementos destas narrativas, relativos ao uso dos recursos naturais, foram quantificados através de modelos computacionais capazes de estimar o balanço regional de CO2, considerando trajetórias alternativas de desmatamento, da dinâmica da vegetação secundária e também da degradação florestal.

“É o primeiro trabalho que inclui esses três processos no balanço de carbono da região de modo espacialmente explícito. Os cenários representam histórias contrastantes, porém factíveis, e incluem uma série de premissas sobre políticas para região – em especial sobre o cumprimento ou não do Código Florestal”, diz Jean Ometto, chefe do CCST/INPE e um dos líderes da pesquisa. Este estudo integra dados produzidos pelos sistemas de monitoramento do INPE (PRODES, DEGRAD e TerraClass) e utiliza as ferramentas de modelagem de código aberto LuccME e INPE-EM, também desenvolvidas pelo INPE.

O cenário mais otimista (Cenário A – Sustentabilidade) representa um futuro com avanços significativos nas dimensões socioeconômica e ambiental. Neste cenário, as medidas de Restauração e Conservação previstas no Código Florestal são, não apenas cumpridas, mas superadas. A região se tornaria um sumidouro de carbono após 2020, devido ao fim do desmatamento por corte raso e do processo de degradação florestal, aliado a um aumento da área de vegetação secundária (e do seu tempo de permanência), levando a um processo de Transição Florestal.

O cenário oposto, bastante pessimista (Cenário C – Fragmentação), parte da premissa de um retrocesso nos avanços ambientais e sociais da última década, com uma volta a maiores taxas de desmatamento e desrespeito ao Código Florestal, aliados a um processo de urbanização caótico e acirramento dos problemas sociais. Finalmente, um cenário intermediário (Cenário B, Meio do Caminho), combina premissas dos dois cenários mais extremos.

Este cenário também considera o cumprimento do Código Florestal, com taxas de desmatamento legais em torno de 4.000 km²/ano após 2020. As reservas legais são regularizadas principalmente através do mecanismo de compensação no mesmo bioma e a vegetação secundária mantém a mesma dinâmica atual, de abandono e corte cíclico nas áreas menos consolidadas. Neste cenário, talvez o mais plausível, a região continua sendo emissora de CO2.

Sobre a plausibilidade dos cenários, os autores do trabalho advertem: “Cenários não são previsões. Afirmar que a Amazônia vai virar um sumidouro de carbono, como no cenário A, sem esclarecer todas as premissas subjacentes, seria equivocado. Cenários são apenas histórias internamente consistentes sobre como o futuro pode se desenvolver. Técnicas de cenários são aplicadas justamente quando as incertezas sobre o futuro são muito grandes. Por outro lado, o futuro depende das nossas ações hoje. Se ele será mais próximo do cenário A ou C irá depender da organização da sociedade em uma direção ou outra. Fomentar esta discussão é o objetivo principal do método proposto”.

No setor florestal e de mudança do uso da terra, a iNDC prevê, entre outros pontos: “fortalecer políticas e medidas com vistas a alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030 e a compensação das emissões de gases de efeito de estufa provenientes da supressão legal da vegetação até 2030”. Ou seja, o Brasil está propondo zerar as emissões líquidas por desmatamento até 2030 – numa situação entre os cenários A e B descritos acima. Alguns aspectos do trabalho do CCST/INPE podem ajudar na análise dos desafios destas metas.

Desmatamento ilegal zero – O que significa? Diversos trabalhos recentes publicados na literatura científica estimaram a área passível de ser desmatada legalmente de acordo com o Código Florestal, obtendo valores de 86.000 km² a 290.000 km² (Martini et al., 2015; Soares-Filho et al., 2014; Sparovek et al., 2015). O cenário B em Aguiar et al. (2015) considera uma taxa de desmatamento (legal) em torno de 4.000 km²/ano após 2020 (isto é, uma perda de aproximadamente 140.000 km² no período 2015 a 2050). Uma fonte importante de incerteza consiste em como estes estudos consideraram as terras públicas sem destinação, sobretudo, no Estado do Amazonas. As opções em relação à estas áreas são (i) a criação de áreas protegidas ou (ii) destinar para produção agrícola. A criação de áreas protegidas nestas áreas poderia diminuir substancialmente o potencial de desmatamento legal. Por outro lado, a literatura indica (o que também foi sido bastante discutido no processo participativo de construção dos cenários) a fragilidade das áreas protegidas existentes, incluindo unidades de conservação não consolidadas e a pressão sobre terras indígenas (Ferreira et al., 2014). Por fim, cabe ressaltar ainda que as taxas de desmatamento caíram significativamente após 2004, mas estabilizaram em 6,000 km² nos últimos anos. Logo, a manutenção e aprimoramento do conjunto de ações dos PPCDAM (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) e o fortalecimento dos arcabouços institucionais (para evitar retrocessos) são essenciais para que, no máximo, as taxas permaneçam dentro dos limites legais – e não voltem a subir na direção do Cenário C (a Tabela S1.1 do material suplementar do artigo apresenta uma síntese de ações necessárias, resultante do processo participativo de construção dos cenários).
Compensação das emissões provenientes do desmatamento legal: (a) Papel da vegetação secundária no balanço de carbono: Uma das formas de compensar as emissões por desmatamento legal na Amazônia seria a absorção de CO2 através da regeneração da vegetação secundária. De acordo com o sistema TerraClass, em 2008 foram observados cerca de 150,000 km² de vegetação secundária em áreas previamente desmatadas. Esta área vem aumentando nos levantamentos mais recentes do sistema. O processo de crescimento da vegetação secundária poderia, potencialmente, compensar as emissões por corte raso. Porém, os dados da literatura e do próprio TerraClass mostram que parte considerável desta vegetação é ciclicamente cortada (por exemplo, cerca de 25% da área identificada em 2008 havia sido cortada em 2012). Os novos cenários discutem o papel potencial da vegetação secundária no balanço de carbono no futuro, através de modelos que representam a dinâmica de abandono, crescimento e corte cíclico nas áreas desmatadas. Os resultados do cenário B mostram que, mantida a dinâmica atual, as emissões continuariam positivas. É importante notar que a vegetação secundária existente na região foi produzida pelo processo histórico de ocupação da região (pecuária extensiva, falta de assistência técnica, agricultura itinerante, especulação fundiária, etc.), inicialmente dissociado da questão mais recente da regularização do passivo ambiental pelo Código Florestal. Medidas que visem utilizar estas áreas para fim de regularização das reservas legais deverão incluir – além de sistemas de monitoramento adequados e de legislação específica que norteie a necessidade de sua supressão cíclica – a disponibilização de alternativas tecnológicas para que a vegetação secundária possa fazer parte do sistema produtivo aos agricultores da região, como por exemplo, sistemas que integram pastagem/agricultura e floresta. (b) Regularização das Reservas Legais (RL). Os trabalhos mencionados acima (Martini et al., 2015; Soares-Filho et al., 2014; Sparovek et al., 2015) também estimam a área de Reserva Legal a ser restaurada (passivo ambiental) caso as regras do novo Código Florestal venham a ser cumpridas de fato. O trabalho de Soares-Filho et al. (2014), por exemplo, estima cerca de 80.000 km² de passivo ambiental. O Código Florestal oferece dois mecanismos principais de regularização: efetiva restauração da reserva legal dentro da propriedade rural ou compensação em outra área do bioma (através de Cotas de Reserva Ambiental – CRA). Existe muita incerteza em relação a qual mecanismo será adotado por diferentes atores. Em todos estes trabalhos a área de passivo ambiental é consideravelmente menor do que o ativo (área legalmente disponível para conversão), em muitos casos, menos da metade. O mecanismo de compensação pode proteger áreas de floresta primária (diminuindo o ativo), enquanto o mecanismo de restauração pode favorecer o aumento das áreas de florestas secundárias. Existe, portanto, a necessidade de uma ampla discussão sobre os mecanismos de regularização das RL mais apropriados em diferentes contextos – considerando não apenas as emissões líquidas de carbono, mas a perda de biodiversidade, a provisão de serviços ecossistêmicos e os impactos nos atores envolvidos. Os resultados em Aguiar et al (2015) indicam que, em termos de emissões, mesmo no caso de que a regularização dos 80.000 km² de passivo viesse a ocorrer pelo mecanismo de restauração (pouco provável no entender dos autores, pois implicaria, em muitos casos, no abandono de áreas em produção), as emissões continuariam positivas – devido ao balanço entre as áreas passiveis a serem legalmente desmatadas (ativo) e à curva de crescimento da vegetação nas áreas de restauração. Por outro lado, os resultados da simulação B mostram que seria necessária a regeneração de uma área superior a 150 mil km² para zerar as emissões líquidas em 2030. Portanto, apenas o cumprimento do código dificilmente será capaz de zerar as emissões na Amazônia em 2030, independente do mecanismo de regularização das RL utilizado pelos diferentes atores. Serão necessárias medidas complementares que mantenham as taxas de desmatamento por corte-raso abaixo dos níveis “legais”.

Outros pontos relevantes: (a) Emissões por degradação florestal. O trabalho apresenta a quantificação das emissões provenientes do processo de degradação florestal – um componente importante do balanço regional de carbono não considerado na elaboração das metas. Utilizando dados do Sistema DEGRAD do INPE, o trabalho estima que as emissões brutas por degradação no período foram, em média, cerca de 47% das emissões por desmatamento tipo corte raso. Por outro lado, o processo de regeneração pós-distúrbio pode compensar, em parte, essas emissões. (b) Emissões nos outros biomas. A iNDC se refere apenas ao bioma Amazônia. Porém, tanto trabalhos de modelagem econômica (Dalla-Nora 2014), quanto a estimativa da área passível de ser legalmente desmatada de acordo com o Código Florestal no Cerrado (cerca de 400.000 km² de acordo com Soares-Filho et al. 2014) apontam para altas taxas de desmatamento neste bioma nas próximas décadas, devido ao seu potencial produtivo para a agricultura e menor grau de proteção. Caso apenas o cumprimento do Código Florestal seja o balizador de ações para proteger o Cerrado, podemos antever impactos consideráveis nas emissões nacionais e em termos de perda de biodiversidade. Já o bioma Caatinga, embora também apresente um ativo elevado (cerca de 258.000 km², de acordo com Soares-Filho et al. (2014)), não apresenta condições edafoclimáticas para a expansão da agricultura de grãos. Este bioma está, no entanto, sujeito a outros vetores de desmatamento, em especial a exploração predatória para satisfazer demandas por carvão vegetal e lenha para fins energéticos.

O trabalho completo em inglês está no link http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.13134/abstract

A era dos extremos

Texto: Carlos Orsi

Fotos: Julio Cavalheiro/Secom/Defesa Civil de Santa Cantarina e Giba/Ascom/MCTI

tragédiasNos últimos 14 meses – entre outubro de 2013 e fevereiro deste ano – o Estado de São Paulo assistiu à pior seca já registrada desde que começaram os registros meteorológicos no Sudeste brasileiro, há mais de  80 anos, disse ao Jornal da Unicamp o climatologista Carlos Nobre, atual diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. “Só para dar uma ideia, de outubro de 2013 a março de 2014, choveu cerca de 50% do que deveria ter chovido nesses seis meses”, declarou. “De outubro de 2014 ao final de março de 2015 choveu 75% do que seria esperado. E 25% abaixo da média ainda é bem seco, mas muito diferente da megaseca que foi há um ano”.

Nobre participou da elaboração de vários relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas, que avaliam as causas e impactos do aquecimento global. Ele explica que a relação entre a mudança climática, em curso atualmente no mundo, e fenômenos extraordinários específicos, como a recente seca paulista, é mais complexa do que uma simples ligação linear entre causa e efeito. “Não é bem assim, não é tão simples”, adverte.

“Não dá para afirmar que, sem a mudança climática antropogênica, esta seca, possivelmente a maior em 100 anos, não teria acontecido”, disse ele. “Não se pode afirmar, categoricamente, que não haveria a seca se o planeta não tivesse aquecido”.

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NOVO SITE DA ACADEMIA BRASILEIRA DA QUALIDADE: http://www.abqualidade.org.br/

O que a mudança climática faz – “e fará cada vez mais no futuro”, de acordo com o pesquisador – é exacerbar a variabilidade natural e aumentar a frequência dos fenômenos climáticos extremos. “Uma seca como essa que afligiu São Paulo em 2014 é um fenômeno muito raro. Vamos supor que pudéssemos dizer que isso acontece, naturalmente, uma vez a cada 100 anos”, disse. “O que a mudança climática faz, e fará mais ainda no futuro, é diminuir esse período de recorrência. Não sabemos qual a diminuição ainda, precisamos estudar muito. Mas podemos dizer que eventos dessa natureza, que eram muito raros, vão acontecer com mais frequência, nos extremos com menos ou com mais chuvas”, explicou. “É isso que mudança climática faz: havia uma certa variabilidade de fenômenos extremos muito raros, e de repente, por conta da mudança climática, começam a ficar mais frequentes”.

Esse aumento da frequência torna os eventos extremos mais prováveis ao longo do tempo. Além disso, a mudança climática pode, também, intensificá-los. “Vai acontecer mais vezes, e pode até acontecer com intensidade maior, talvez até com intensidade nunca registrada”, disse, lembrando a seca sem precedentes em São Paulo. “Não se pode dizer que o fenômeno extremo só passou a acontecer como resposta direta ao aquecimento”, reiterou. “O que se pode dizer é que o aquecimento vai mudar a natureza probabilística desses extremos climáticos do ciclo hidrológico e vai torná-los mais frequentes”.

Especificamente na cidade de São Paulo, explica Nobre, o efeito climático dominante é o da ilha urbana de calor, gerado pelo crescimento e adensamento de mudança da cidade, com a eliminação de áreas verdes e a impermeabilização do solo. A temperatura média global à superfície elevou-se em 0,8º C desde a revolução industrial. “Mas em São Paulo, nos últimos 70 anos, subiu entre 3º C e 4º C, em média”, disse o pesquisador.

O climatologista Carlos Nobre“Dependendo do lugar – tomando, como exemplo, um dia ensolarado da primavera, sem nuvens – a diferença entre a temperatura da periferia de São Paulo e a do centro pode chegar tranquilamente a 6º C, 7º C”, acrescenta. “Nesse caso, no centro de São Paulo, o aquecimento urbano, da ilha urbana de calor, já saturou. No entanto, à medida que a cidade vai se urbanizando, vai se concretando, há mais pavimentação e o desaparecimento da vegetação, esse efeito vai cobrindo uma área maior, vai crescendo como uma bola”.

De acordo com os cenários do IPCC, se nada for feito para reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa nas próximas décadas, as temperaturas médias globais poderão chegar (no ano de 2100) de 3º C a 4º C acima dos níveis pré-industriais. “Na região do Estado de São Paulo, haveria uma elevação de 3º C, 3,5º C. O impacto no Brasil central seria de 4º C, 5º C e o impacto na Amazônia em 5 º C, 6 º C”, enumera Nobre. “Isso é o que a maioria dos cenários indica, no caso de continuarem aumentando as emissões”.

No melhor cenário, caso sejam tomadas medidas para impedir a subida de mais 2ºC na temperatura média global, acima dos níveis pré-industriais até 2100, a temperatura no Estado de São Paulo subiria da ordem de 2º C. “Mas como já subiu 0,8º C, nós temos ainda, nesse cenário benigno, 1,2º C para chegar nesse marco simbólico de 2º C”, disse Nobre. “Para isso, temos que chegar a emissões de gases de efeito estufa negativas em 2100. Quer dizer, tirar o dióxido de carbono (CO2) da atmosfera”.

O pesquisador lembra que não é possível prever como serão os próximos verões em São Paulo, se secos ou chuvosos. “Cientificamente, não há previsibilidade, com alto grau de acerto, para além de poucos dias. O que dá para dizer numa escala de décadas, de um século, que a cidade vai estar mais quente”, disse. “E a ilha urbana de calor traz um aumento da chuva. Chove em São Paulo, hoje, 30% a 35% mais do que chovia há 80 anos. Isso é um efeito direto da ilha urbana de calor.”

Numa perspectiva mais geral, para o estado ou a região Sudeste como um todo, os cenários de longo prazo do IPCC indicam uma pequena modificação no volu-me de chuvas, mas sem sinal claro. “Alguns cenários mostram uma tendência à pequena diminuição das chuvas. Outros, uma pequena elevação. O Sudeste é uma região de transição”, explica. “Lá no Nordeste, os modelos indicam uma diminuição da chuva. No Sul e em parte da Argentina, um aumento das chuvas. O Sudeste ficou no meio, num lugar onde o sinal é positivo ao sul e negativo ao norte. Há uma situação de maior incerteza”.

“Mas não se prevê uma mudança climática com maior volume de chuvas, a longo prazo. Então, não vai virar um deserto”, acrescenta. “O que muda é a natureza das chuvas. Deve-se gerar maior número de dias com pancadas fortes de chuvas e, igualmente, maior número consecutivo de dias secos”.

O aumento na variabilidade do clima e na probabilidade de fenômenos climáticos extremos já está exigindo esforços de adaptação por parte dos agentes públicos. “A cidade tem que ter uma preparação para esse novo cenário. E tem que se adaptar rapidamente, porque ele já está acontecendo”, alerta Nobre. “Não é para daqui a 20, 30, 50 anos”.

“Já estamos vivendo uma situação de grande mudança nos regimes climáticos”, disse. “Portanto, toda a infraestrutura e a estrutura de abastecimento de água têm que levar em consideração essa variação, colocando em ação uma série de mecanismos de aumentar resiliência”.

Como exemplo de ação uma necessária, cita o reflorestamento das bacias dos rios. “Isso é muito importante, tanto para melhorar a qualidade da água e aumentar a vida útil dos reservatórios, como também para moderar os picos de inundação. O reflorestamento ajuda a redistribuir a água, com menos vazão na época de chuva e mais vazão na época seca do ano”, explica. “Só estou dando um exemplo de uma atividade típica de adaptação à maior volatilidade climática. Outro caso muito concreto – e que todos estão sentindo, paulistanos e paulistas – é a crise hídrica”.

Protocolo de Paris

A Europa se adianta ao propor oficialmente corte de “pelo menos 40%” de suas emissões de gases estufa até 2030 em relação a 1990

A União Europeia (UE) deu a largada rumo ao acordo do clima de Paris ao se tornar o primeiro bloco a colocar na mesa sua proposta de redução de gases de efeito estufa para o novo tratado global, a ser implementado em 2020. Um documento divulgado pela Comissão Europeia detalha a visão dos 27 países sobre o novo regime climático e diz o que os europeus estão dispostos a fazer.

A chamada Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC) da UE chega um mês antes do prazo informal dado pelas Nações Unidas para os países desenvolvidos apresentarem seus números. Traz também um avanço ao propor que o novo acordo, que os europeus já estão chamando de Protocolo de Paris, tenha força de lei internacional. Porém, ainda faz pouco para colocar o mundo na trajetória segura de limitar o aquecimento global no fim deste século a 2 °C, objetivo almejado pelos membros da Convenção do Clima da ONU, com base nas recomendações da ciência.

A INDC europeia propõe reduzir as emissões dos 27 países do bloco “em pelo menos 40%” até 2030 em relação aos níveis de 1990, sem a compra de créditos de carbono de fora. Segundo o documento da Comissão Europeia, isso colocaria a UE numa trajetória “economicamente viável” de cortar 80% de suas emissões até 2050, permitindo uma chance “provável” de ficar dentro do limite de 2 °C.

Na linguagem estatística do IPCC, o painel do clima da ONU, “provável” significa uma chance de pelo menos 66%. “Os europeus merecem crédito por terem sido os primeiros a fazer o anúncio, mas sua oferta está aquém do que seria sua contribuição justa ao esforço mundial de redução de emissões”, diz Mark Lutes, analista sênior de clima do WWF, uma das organizações integrantes do Observatório do Clima. “Estamos dizendo que o mundo precisa reduzir a zero as emissões de queima de combustíveis fósseis e chegar a 100% de energia renovável até 2050; e a proposta europeia não chega lá.” No entanto, ressalta Luttes, os europeus deixaram a porta aberta para revisões periódicas dos compromissos a partir de 2020, algo que o Brasil tem defendido nas negociações.

“Esperamos que a UE ainda possa aumentar sua contribuição à luz do que a ciência diz que é necessário fazer para evitar o caos climático”, diz o secretário executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl. “Da mesma forma, esperamos que o Brasil não fique dependendo disso para colocar na mesa um compromisso de redução de emissões ambicioso e proporcional a sua responsabilidade. Para o Brasil, fazer a coisa certa no clima representa oportunidade de recolocar a economia nos eixos, e nós não podemos deixar essa oportunidade passar só porque outros países estão fazendo menos do que deveriam”.

“O Brasil é um dos países com mais oportunidades para redução de emissões e tem tudo para assumir um papel de protagonismo, estimulando os outros países a aumentarem a ambição do novo acordo global”, afirma o gerente de estratégias da conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e  coordenador-geral do Observatório do Clima, André Ferretti.

Instituto Agronômico faz levantamento sobre a seca em São Paulo

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secaResultados apontam redução de até 50% no volume de chuva em algumas regiões paulistas no mês de outubro

Carla Gomes e Fernanda Domiciano, da assessoria de imprensa do Instituto Agronômico (IAC)

Dados do IAC, de Campinas, apontam que a precipitação pluvial de outubro de 2013 ao mesmo mês de 2014 foi muito reduzida, com valores abaixo do esperado. O levantamento do IAC foi realizado em 13 regiões representativas do Estado de São Paulo.

No planalto paulista, esta redução atingiu níveis superiores a 50% em Ribeirão Preto, Guaíra, Monte Alegre do Sul e Campinas. Mesmo no litoral, como em Ubatuba, o total pluviométrico foi 18% inferior ao esperado”, afirma o pesquisador do IAC, Orivaldo Brunini. “Para se ter ideia, janeiro a março de 2014 foi o trimestre mais seco em 77 anos de análise em Ribeirão Preto. Campinas também registrou, de outubro de 2013 a março de 2014, o período com menor índice de chuva, desde 1891. O prognóstico do IAC é que possivelmente ocorram chuvas na média entre novembro de 2014 e março de 2015, o que pode gerar agravantes no período de estiagem do próximo ano”.

Em outubro iniciou-se a estação chuvosa, então, as anomalias em torno da média histórica deveriam ser zero ou próximo a este valor, porém, a estiagem prolongou-se até o final daquele mês, com índice de precipitação abaixo do esperado, com pouquíssimas localidades com anomalias positivas”, afirma o pesquisador do IAC, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento de São Paulo.

Em Ubatuba, por exemplo, choveu 150 mm a menos do esperado para o período. Palmital foi a cidade onde mais choveu, com volume de 50 mm superior a 2013. Na região do extremo Oeste do estado, assim como em parte do litoral, a situação hídrica apresentou recuperação em outubro. A restrição, porém, continua nas demais localidades.

Embora se pense e, infelizmente, muitos acreditem que pelas suas características climáticas, São Paulo está isento do fenômeno seca, isto não é verdade”, afirma Brunini. O pesquisador explica que outros períodos de seca já ocorreram no Estado, como em 1954, 1961, 1963, 1974, 1985 e 2001.

Nossos dados apontam que este é, sem dúvida, um dos piores episódios de seca registrados. Isso se intensificou pelo alto grau de urbanização, aumento populacional, falta de preservação dos recursos naturais, entre outros fatores. Assim, é de extrema importância o estabelecimento de programas e políticas públicas para promover a segurança hídrica”, afirma.

O relatório do IAC aponta que o nível de precipitação de março, julho e outubro atingiu níveis preocupantes. “Como não temos mecanismos para evitar o fenômeno seca, devemos sim, adotar técnicas e ações que possam mitigar ou amenizar, ao longo do tempo, os efeitos danosos dessa situação”, analisa Brunini.

Segundo o pesquisador do instituto, a intensificação da seca em São Paulo ocorreu em setembro de 2013, em Campinas, Mococa e Ribeirão Preto. Para Brunini, a situação paulista já vinha se agravando há tempos e atividades como o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH) e o Programa de Desenvolvimento da Irrigação (PDA), os processos de outorga do uso da água feitos pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e constante monitoramento meteorológico, como realizado pelo IAC, devem ser implementados e valorizados para atender à demanda da sociedade e propor ações para reduzir os efeitos negativos da seca.

O IAC realizou projeções meteorológicas do final de 2014 a março de 2015. As análises, baseadas em dados do próprio instituto e de órgãos especializados, indicam chuvas em torno da média, com ligeiro acréscimo da temperatura para o período de novembro de 2014 a março de 2015. A recomposição dos reservatórios, porém, não será plenamente alcançada.

Com previsão de chuva dentro da média histórica, não haverá recuperação total dos aquíferos e reservatórios, mantendo-se o sinal de alerta para o atendimento a necessidade da população, serviços essenciais, animais e agricultura em um nível mínimo e seguro, ou seja, estabelecendo um programa real de segurança hídrica. “Estas análises e projeções, se comprovadas, indicam cenário agravante para o período de abril a setembro de 2015, época de redução acentuada de chuvas em quase todo o território paulista”, explica Brunini.

O total de chuva acumulado até 27 de novembro de 2014 confirma as projeções de normalidade da precipitação, onde grande parte do estado já está com reserva hídrica recuperada do ponto de vista meteorológico e agronômico, mas não sob o ponto de vista hidrológico. “Destacamos Ribeirão Preto com anomalia negativa muito intensa e baixos volumes de chuva, mas ainda precisamos da confirmação dos dados”, diz.

A análise foi baseada no banco de dados do Instituto Agronômico, o mais completo do Brasil, com registros desde 1890. Para os estudos, foram considerados os efeitos agronômicos, meteorológicos e hidrometeorológicos da seca. A metodologia para análise e cálculo dos índices pode ser acompanhada nos sites: http://www.ciiagro.sp.gov.br; http://www.infoseca.sp.gov.br e http://www.ciiagro.org.br

Esse trabalho liderado pelo IAC conta com recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO), com a participação da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI) e da Fundação de Apoio à Pesquisa Agrícola (FUNDAG), responsável por procedimentos administrativos.

Sob o ponto de vista da agricultura, as restrições hídricas ainda se mostraram severas em junho e continuaram até outubro de 2014. Somente a região de Presidente Prudente teve o índice pluviométrico adequado para o mês.

Brunini explica que com as chuvas do final de setembro e início de outubro, houve melhoria das condições hídricas, em especial no extremo Oeste paulista e no Vale do Paranapanema. A estação chuvosa, porém, não estava plenamente estabelecida, o que resultou no retorno da situação crítica. “Os resultados demonstram que as condições hídricas estavam críticas, exceto pela última semana de setembro. Somente na região de Presidente Prudente e Adamantina houve pequena melhoria para as culturas. Os valores não foram suficientes para manter o solo à capacidade de campo”, explica.

No caso da cana-de-açúcar, existe uma preocupação relacionada à estiagem nas regiões de Ribeirão Preto, Araçatuba e São José do Rio Preto, o que pode causar impacto para a o cultivo da cultura de ciclos de ano e de ano e meio, afetando o desenvolvimento das plântulas. Para as culturas de inverno, que exigem irrigação, não há indicação de recuperação de bacias hidrográficas, o que pode afetar a produção de batata e tomate, por exemplo. O desenvolvimento dos citros pode ser afetado se o aumento de temperatura, que é esperado, for superior a 2º C acima do normal. O mesmo problema pode ocorrer com o cafeeiro.

O prognóstico realizado pelo IAC, considerando oito regiões representativas de São Paulo e simulado para o período de outubro de 2014 a março de 2015, demonstra que se ocorrerem precipitações próximas ao esperado climaticamente em novembro e dezembro, será possível observar déficit hídrico. Por outro lado, em parte de janeiro, fevereiro e março de 2015 poderá ocorrer adequado suprimento hídrico às culturas com déficit climático quase nulo, nas áreas agrícolas paulistas.

Isso poderá afetar o desenvolvimento inicial do milho safrinha na região de Assis, o crescimento dos frutos do café, em Franca, e a formação final das espigas do milho safrinha, na região de São José do Rio Preto”, afirma o pesquisador do IAC. A má distribuição de chuvas poderá afetar ainda o plantio da cana-de-açúcar e o desenvolvimento de citros.

A rede meteorológica do Centro Integrado de Informações Agrometeorológicas (CIIAGO), do IAC, monitora as condições hidrometeorológicas em mais de 145 pontos no Estado de São Paulo. Essa estrutura fornece dados atualizados a cada 20 minutos, a cada hora e totais diários dos diversos elementos meteorológicos, em especial: chuva, temperatura do ar e umidade relativa. As informações podem ser acessadas no site http://www.ciiagro.org.br/ema. “Esses dados, além de todo o suporte para a agricultura e Defesa Civil, podem dar importantes subsídios para previsão e suporte para programas de sustentabilidade da agricultura, segurança alimentar e segurança hídrica”, afirma Brunini.

Em 2005, o CIIAGRO-IAC introduziu um parâmetro estritamente agrometeorológico para análise de seca, baseado na diferenciação das culturas e em suas peculiares capacidades de retenção de água no solo, que podem ser refletidas por um maior ou menor volume de exploração das raízes. Nesse conceito, algumas culturas são agrupadas de acordo com a profundidade das raízes e considera-se também o tipo de solo, que pode determinar a profundidade do sistema radicular. 

A crise da água e as perspectivas futuras

NORMAS COMENTADAS

NBR 14039 – COMENTADA
de 05/2005

Instalações elétricas de média tensão de 1,0 kV a 36,2 kV. Possui 140 páginas de comentários…

Nr. de Páginas: 87

NBR 5410 – COMENTADA
de 09/2004

Instalações elétricas de baixa tensão – Versão comentada.

Nr. de Páginas: 209

NBR ISO 9001 – COMENTADA
de 11/2008

Sistemas de gestão da qualidade – Requisitos. Versão comentada.

Nr. de Páginas: 28

Marcelo Buzaglo Dantas

O ano de 2014 no Brasil foi marcado, dentre outras coisas, pela escassez de água. Fenômeno até então pouco conhecido fora dos limites do Norte e do Nordeste do País, a seca chegou ao Sudeste e região.

Fruto da ausência de chuvas, possivelmente associada às mudanças climáticas, outros fatores também contribuíram para a terrível (e ainda não solucionada) situação a que chegamos. A falta de cuidado com a vegetação ciliar onde ela ainda existe é também apontada por especialistas como uma das causas do problema, na medida em que a devastação das áreas circundantes de rios, cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e similares contribui para o assoreamento e, portanto, para as perdas qualitativas e quantitativas dos elementos hídricos e de suas funções ecológicas.

Por isso, a contundente crítica dirigida ao Novo Código Florestal quando, no particular, reduz os limites de proteção da mata ciliar, já que a faixa de Área de Preservação Permanente (APP) passa a ter a metragem contada a partir da “borda da calha do leito regular” do rio – e não mais do seu “nível mais alto”, como outrora – deixando desguarnecidas áreas alagadiças que exercem importantes funções ambientais.

De todo modo, mesmo no regime florestal anterior, as dificuldades de fazer implementar a legislação ambiental no Brasil sempre foram muitas, a ponto de ter se tornado lugar comum afirmar que o país possui um dos mais bem estruturados sistemas legais de proteção ao meio ambiente do mundo, o qual, contudo, carece de efetividade. A cultura que se desenvolveu no país nunca foi a da preservação. Por aqui, sempre se preferiu investir na reparação dos danos a propriamente prevenir para que aqueles não acontecessem.

No caso dos recursos hídricos, jamais fizemos como os nova-iorquinos: preservar os mananciais para não ter que investir em saneamento. O resultado é conhecido: o povo daquele Estado americano altamente industrializado possui uma das águas de melhor qualidade do planeta.

No Brasil, contudo, a preocupação com a água nunca foi a tônica dos setores público e privado. Exceção feita a poucas iniciativas aqui e acolá, a regra sempre foi a poluição dos elementos hídricos. Desnecessário citar exemplos, infelizmente.

Por outro lado, é incontestável que os instrumentos de comando e controle, tão enaltecidos por muitos, não tiveram o condão de diminuir os efeitos da degradação do meio ambiente. Não fosse assim, o Código Florestal anterior, aliado a uma série de outras normas legais (Sistema Nacional de Unidades de Conservação, Lei da Mata Atlântica, etc.) teria sido responsável pela redução do desmatamento. Não foi, contudo, o que aconteceu.

Logo, torna-se necessário partir-se para uma nova era. Um tempo em que se passe a investir intensamente na valorização e na recompensa daqueles que realizam serviços ambientais. A lógica é simples: em vez de simplesmente punir aquele que descumpre a legislação – o que, repita-se, revelou-se ineficaz – remunera-se quem preserva. É uma inversão total daquilo que sempre se praticou no Brasil. Em vez de “poluidor-pagador”, passa-se para a tônica do “protetor-recebedor”.

Iniciativas como essas vão desde a remuneração financeira aos pequenos proprietários rurais que preservam a vegetação que protege as águas, passando por incentivos tributários à preservação ecológica (IPTU verde, ICMS ecológico, redução de IPI para produtos ambientalmente sustentáveis, etc.), maior incentivo financeiro à criação de reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs), estímulo à comercialização de créditos de logística reversa e de cotas de reserva ambiental, entre outros.

Ganham as pessoas, ganha o meio ambiente e ganha a sustentabilidade. Já está mais do que na hora de se reconhecer que a proteção do meio ambiente não é apenas uma fonte geradora de despesas, mas pode se tornar uma grande oportunidade para se obter recompensas financeiras efetivas, ao mesmo tempo em que se contribui para a melhoria da qualidade ambiental das presentes e futuras gerações.

Marcelo Buzaglo Dantas é advogado, pós-doutor em Direito, consultor jurídico na área ambiental e membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ e da Comissão Permanente de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).  Também é membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.